TREINAR HOMENS E MENTALIDADES

Um pouco por todo o lado, começam a ser dados passos – ainda algo lentos, incertos e mesmo periclitantes – de modo a que as modalidades caminhem no sentido de haver mais mulheres treinadoras, árbitras e mais mulheres a serem líderes e com responsabilidades no Desporto.
No Voleibol, uma modalidade em que mais de 50 por cento dos praticantes federados são do sexo feminino, tarda em haver uma aposta clara nas mulheres como treinadoras. As razões são várias e podem mesmo passar por uma mudança de mentalidades.
Apesar de assumirem com coragem e sem preconceitos o seu papel de líderes quando foram chamadas a fazê-lo, Maria Carlos Marques e Mariana Castro gostariam de ver mais mulheres a liderar equipas técnicas não só no Voleibol como em outras modalidades. Ver os clubes não tão interessados no “género dos treinadores mas sim na competência dos mesmos”. Esperando, aliás, que “isso seja assim na vida e não apenas no desporto“.

O dinamismo de Maria Carlos Marques é evidente, tanto dentro como fora de campo. Multifacetada, Maria Carlos é professora AEC Atividade Física e Desportiva – Câmara Municipal de Guimarães, treinadora no Vitória SC e… actual libero e capitã da equipa de seniores femininos vimaranense, finalista da Taça de Portugal e envolvida na luta pelo troféu de vencedora da Taça Federação:

És conhecida pela forma aguerrida com que te bates em campo, mas o que sentiste quando assumiste, na época passada, o comando técnico do CD Póvoa?
Esse momento ficou marcado mais pelo sentido de missão do que propriamente pelo orgulho ou reconhecimento de ter chegado a um certo patamar na carreira. O voto de confiança da Direcção do CD Póvoa em mim, naquele momento complicado que atravessámos, foi decisivo.
Tenho os pés bem assentes na terra. Sei que tenho alguma competência e experiência, mas não penso que seja, ainda, suficiente para assumir a equipa técnica numa I Divisão. Cada vez mais, o alto nível requer treinadores a 100%, que estudam constantemente e vivem para o Voleibol. Não é o que eu quero. O meu lugar é na escola, a ensinar
“.

Com que impressão ficaste da forma como os jogadores reagiram a serem orientados por uma treinadora (mulher)? Houve alguma diferença em relação à forma como interagiam com o anterior treinador (homem)?
A equipa uniu-se muito para tentar ultrapassar um momento difícil, o que ajudou. Penso que foi mais natural do que o que esperava. Respeitaram-me sempre, aceitaram sempre aquilo que lhes passava e, isto também é importante referir, ajudaram-me a sentir-me à vontade. Isto tudo foi a chave para obtermos logo uma vitória“.

Pensas que o teu exemplo, ao qual se juntou recentemente o da Mariana Castro, poderá influenciar mentalidades na modalidade e levar os clubes a apostarem mais nas mulheres/treinadoras?
Gostava que os clubes apostassem em pessoas competentes e dedicadas. Vou ser um pouco polémica: muitos não deviam ser sequer treinadores. Seria giro ver mais mulheres? Sim. Mas já perguntaram quantas delas querem estar ali? Se se sentem à vontade? Com confiança? Com apoio suficiente?
Quando eu entrava num pavilhão, havia pessoas que se dirigiam primeiro ao meu treinador adjunto, assumindo que ele era o principal. Quantas mulheres estão à frente de plantéis seniores? Qual é o rácio nos plantéis da formação? Fui campeã nacional à frente duma equipa masculina. Quantas tiveram essa oportunidade? Portanto, há mais barreiras para derrubar até chegarmos a esse ponto.
Por motivos que se prenderam com a indisponibilidade do treinador principal, eu e a Mariana assumimos uma equipa em jogos da I Divisão Masculina. Espero que, o mais cedo possível, possamos ver uma mulher a conduzir uma equipa masculina uma época inteira mas, também, mais mulheres como treinadoras principais em toda a modalidade“.

Mariana Castro: “Os jogadores foram incríveis. Fizeram-me sentir como
se já pertencesse ao grupo há muito tempo
. Tive o apoio absoluto do Ricardo Lemos
e da restante equipa técnica: Paulo Camboa, Leonel Rosa, Nuno Rodrigues e Mónica Barbosa
“.

Se Maria Carlos Marques foi a primeira a orientar jogos de uma equipa de seniores masculinos do escalão principal, Mariana Castro, do Sporting Clube de Espinho, tornou-se a primeira mulher a orientar uma equipa de seniores masculinos na fase de Playoffs.
Aconteceu nos jogos do Play-off da Taça Federação, disputados entre o SC Espinho e o Leixões SC na Nave Ilídio Ramos, no Centro de Desportos e Congressos de Matosinhos. Os jogos terminaram com o resultado de 3-0 para os tigres da Costa Verde (sexta-feira) e 3-1 para os leixonenses (sábado).
“Foi uma experiência incrível, sem dúvida, mas que eu trocava fácil por uma vitória no jogo de sábado…”, reconheceu, no final, Mariana Castro.

– O que sentiste no momento que assumiste o comando técnico da equipa do SC Espinho, sobretudo numa fase crucial do play-off?
Não posso dizer que tenha sido uma posição confortável para mim, não por serem jogos importantes nem por ser a equipa sénior masculina, mas porque eu sou um elemento recente no grupo de trabalho. Felizmente, tive o apoio absoluto do Ricardo Lemos [treinador principal] e da restante equipa técnica [Paulo Camboa, Leonel Rosa, Nuno Rodrigues e Mónica Barbosa]“.

E qual foi a reacção dos jogadores?
Os jogadores foram incríveis. Trabalharam muito e entregaram-se ao jogo de corpo e alma.
Fizeram-me sentir como se já pertencesse ao grupo há muito tempo. Penso que para eles é completamente indiferente se estão a ser orientados por um homem ou uma mulher. O plano de jogo foi traçado pelo Ricardo e todos sabíamos o que tínhamos que fazer, mas eles não sentiram qualquer problema em recorrer a mim ou à restante equipa técnica para tirar dúvidas, antes e durante o jogo“.

– O vosso exemplo, o teu e o da Maria Carlos, poderá contribuir para os clubes apostarem mais nas mulheres como treinadoras de equipas de seniores masculinos?
Sinceramente, eu não sei se não existem mulheres à frente de equipas seniores masculinas (e, se calhar, femininas também…) por os clubes não apostarem ou se por não haver interesse por parte das treinadoras.
No meu caso, sempre gostei de trabalhar na formação e por isso nunca procurei ser treinadora de equipas seniores. Não sei o que acontecia se tivesse tentado… Espero que os clubes não estejam interessados no género dos treinadores mas sim na competência dos mesmos. Aliás, espero que isso seja assim na vida e não apenas no desporto“.

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